quarta-feira, 26 de outubro de 2011

3 Rios On Line - A Rotina das Crianças na Casa de Passagem de Paraíba do Sul

A Casa de Passagem funciona em um antigo colégio no bairro Grama em Paraíba do Sul (Foto: Revista On)
“Nós vamos embora hoje tio?”, a indagação é do garoto G. S., 7 anos. Ele e o irmão A. S., 9, estavam na Casa de Passagem “Dr. Nuno Soares Vaz Filho” em Paraíba do Sul quando a Revista On esteve no local para conversar com os jovens. Na ocasião, havia menos de 15 dias que tinham chegado. De acordo com uma fonte ligada à instituição, eles foram tirados da mãe que se prostituía para usar crack. Na hora em que a polícia chegou ela fugiu levando o terceiro filho, recém-nascido.

Os casos que aportam lá se divergem pela idade, nome e endereço dos meninos [só recebe meninos. As garotas são acolhidas pelas irmãs de caridade] cujo único desejo e voltar para casa, mesmo sendo por adoção. Entre tantos nomes, alguns casos como os irmãos dos quais o pai matou a mãe e os fez juntar os pedaços e o jovem à beira de completar 18, idade limite para permanecer no local, sugerem estudos para entender melhor a cerne das famílias “modernas” e essas instituições que tem a função de proteger, acolher, buscar um novo lar e ainda proporcionar, para estes jovens, uma sensação de família, mesmo que ainda guarde na lembrança uma imagem deturpada e marcada pela violência física, sexual ou psicológica.

Casa de Passagem é um tipo de abrigo temporário para meninas ou meninos até os 18 anos incompletos. Todos os hóspedes estiveram em situação de risco pessoal e social, seja dentro ou fora do meio familiar. O principal objetivo é prezar pelo atendimento qualificado em busca da autonomia, cidadania e restituição de direitos violados, com base no ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei n.º 8.069/1990).

Os jovens até brigam, mas ficam unidos na espera por um lar (Foto: Revista On)
Os jovens até brigam, mas ficam unidos na espera por um lar (Foto: Revista On)
O mais velho dos irmãos citados no início da matéria é um dos inúmeros casos. Quando chegaram, a simplória televisão era algo novo para A. S., 9. Quando questionado sobre a família, o menino muda de fisionomia e o sorriso dá lugar a um semblante fechado. As mãos demonstravam o quanto incomodava tocar no assunto. De cabeça baixa, o jovem que sonha em ser policial no futuro, vê no presente apenas incertezas sobre seu lar.  

Nesta casa há 10 leitos dos quais oito estão ocupados. No mesmo dia da entrevista, um bebê de três anos era aguardado. Responsável pela Casa de Acolhimento Temporário, Carlos Alexandre da Cunha, tem orgulho de mostrar a dispensa cheia de mantimentos, fraudas, leite para crianças e os freezers abarrotados de carne. O Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e o Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente) divulgaram, em 2004, um estudo sobre os abrigos e traçaram um perfil das entidades pesquisas. De acordo com os dados, 68,3% são não governamentais e 67,2 % são mantidas por entidades religiosas. Assim como a Casa de Passagem de Paraíba do Sul é mantida pela prefeitura, apenas 30% das instituições pesquisadas são bancadas pelo poder público.


Em Paraíba, os jovens são alimentados e vestidos além de participarem de atividades fora da instituição. “Aqui tudo é de porta aberta. Há cinco anos não tínhamos colégio para matriculá-los. O povo dizia: ‘É da casa de passagem, então não tem vaga’”, desabafa Carlos sobre o preconceito que as crianças ainda sofrem. Apesar disso, todos estão matriculados em colégios públicos.

Os conselheiros

A conselheira tutelar Daiane Dias trabalha incessantemente na averiguação de denúncias e fiscalização de crianças em situação de risco. Dias foi empossada no dia 28 de julho e garante que o volume de serviço é muito grande. Só em julho foram 45 atendimentos.

Ela revela que as principais ocorrências são de “maus tratos físicos, principalmente em meninos, além da exposição ao tráfico de drogas e abandono”. Com base no ECA, ela alerta que só o fator financeiro não influencia na retirada da criança.

De acordo com o levantamento do Ipea, a carência de recursos materiais da família responsável corresponde por 24,1% dos motivos de ingresso em abrigos. Abandono pelos pais são 18,8%. Já a dependência química foi a causa de 11,3% das crianças estarem em casas como a de Paraíba do Sul.

“Só agimos quando a criança está em risco. Quando não há nenhuma perspectiva de vida”, completa. Em um primeiro momento, o conselho tutelar procura alguma pessoa com um vínculo familiar para abrigar esses jovens até uma decisão judicial. “Na ausência dessas pessoas, eles são levados para a Casa de Passagem”, explica Daiane.

Quando uma criança é encaminhada para este local, a instituição aciona o Creas (Centro de Referência Especializado da Assistência Social) que faz uma visita na casa das pretendentes à guarda da criança. Junto deles há uma comissão da justiça para averiguar se os jovens serão bem amparados.

Creas

A realidade dentro da entidade se contrapõe ao sofrimento no lar. Fato demonstrado no olhar de cada indivíduo quando o assunto em questão é a família. Alguns esperam por uma adoção. Como é o caso de D. M., 17, cujo tempo na instituição se finda em janeiro de 2012. Ele que vive na Casa há quatro anos, busca uma oportunidade de emprego para, uma vez fora da Casa, conseguir manter-se. Atualmente faz curso de estofador e mostra orgulhoso, os puffs que já produziu para vender. De acordo com o regimento de onde mora, o prazo máximo para os jovens ficarem é de 90 dias, “mais do que isso o secretário de Bem Estar Social têm que autorizar, porque essa permanência tem um custo para o município”, explica Alexandre ao demonstrar preocupação com a situação do jovem, já que 18 anos é a idade máxima para ficar abrigado. “Não sei o que vou fazer. É impossível chegar janeiro e colocá-lo para fora”, completa.

O menino que sonha ser policial, deseja, por enquanto, voltar para casa (Foto: Revista On)O menino que sonha ser policial, deseja, por enquanto, voltar para casa (Foto: Revista On)
M. A., 14 e M. P, 20, estão no abrigo há seis anos. Há mais de quatro [anos] ninguém da família veio vê-los. Irmãos, eles passaram por problemas complicados dentro de casa. Ainda de acordo com a fonte ligada à instituição, o pai dos jovens matou a mãe e está preso. O rapaz de 20 anos ficou com sequelas psicológicas e conta com a promessa do irmão de protegê-lo quando tiverem que sair do local. O psicoterapeuta Douglas Cardoso Alves é o coordenador do Creas sulparaibano e explica: “o rompimento do laço simbiótico que a relação mãe e filho impõem, por natureza, em curso normal já é sofrido, então imaginem quando isto se dá de forma abrupta, como ocorreu com alguns desses meninos. Inevitavelmente o sentimento de desamparo promove uma dificuldade de resolução de conflitos, traduzindo em dificuldades de aprendizagem, inserção e integração social”, contextualiza. De acordo com ele, em casos somatizados os sintomas transcendem ao físico chegando a patologias crônicas e limitadoras.

Para minimizar esses estragos, o Centro de Referência disponibiliza uma equipe para orientação jurídica, psíquica e social, através dos seus técnicos que, semanalmente, acompanham os casos com a finalidade de ajustar os laços familiares para a reinserção dos acolhidos.

“Eles chegam só com a roupa do corpo, sem documento nenhum, normalmente, escoltados por policiais armados. Eles não querem vir, os pais também não querem que eles venham. Acompanhados por um conselheira tutelar e um oficial de justiça, choram muito; é uma situação ruim e triste de se ver”, disse Carlos Alexandre. Ele, de certa forma, assumiu o papel de pai, mãe, amigo e confidente desses jovens que estão aflorando a sexualidade em meio a tantas turbulências na puberdade. Tudo isso, sem esquecerem o futuro que bate a porta sem uma certeza da vida. Por ser um lugar de passagem, todos se toparam “por acaso”, mas fazem desse encontro ou desencontro, uma grande família.

Por Rafael Moraes

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