Uma mulher é assaltada dentro da própria delegacia. Um juiz vai preso  envolvido em um esquema de corrupção. Ministros condenam um político,  mas ele não sofre qualquer punição porque a pena já prescreveu. Um  senador muda o tempo verbal de uma lei moralizadora, e isso levanta  suspeita de que sua intenção é livrar dela os colegas parlamentares. Os  exemplos acima estão nas páginas dos jornais dos últimos dias. Diante  delas, a sensação de que as coisas talvez não funcionem como deveriam no  país. E uma constatação, que não poderia ser diferente: o brasileiro  não acredita nas suas instituições.
As causas e as consequências dessa constatação são o tema de um livro  recém-lançado pela editora da Universidade de São Paulo (Edusp): “Democracia  e confiança: por que os cidadãos desconfiam das instituições públicas?”.  A resposta vem dos exemplos acima: a população não dá crédito às suas  instituições em consequência da baixa qualidade da democracia  brasileira. Das instituições, os partidos políticos, o Congresso, o  governo, a polícia e a Justiça são as menos confiáveis. Na outra ponta,  as que têm mais crédito são os bombeiros, as igrejas e as Forças  Armadas. 
“A existência da desconfiança decorre da baixa qualidade da  democracia”, avalia o organizador do livro, o professor José Álvaro  Moisés, doutor em ciência política e coordenador do Núcleo de Pesquisa  em Políticas Públicas da Universidade de São Paulo, que lançou a obra no  último dia 25, em São Paulo. Ao mesmo tempo, porém, essa falta de  credibilidade contribui para tornar ainda piores as instituições. “Se as  pessoas não acreditam nas instituições, também não vão fazer muito  esforço para que elas funcionem bem”, considera o professor. 
Fenômeno mundial
Na verdade, a diminuição do crédito nas instituições tem acontecido  em todo o mundo. O fenômeno tem relação com as mudanças profundas na  forma de comunicação provocadas pela internet e pelas novas mídias. A  velocidade de transmissão das informações e da reação das pessoas  provocou uma crise, especialmente com relação à democracia  representativa. As instituições não conseguem acompanhar com a nova  velocidade exigida as demandas da sociedade. Moisés, porém, assinala  que, no Brasil, a situação é ainda mais greve. “No caso do Brasil, o  descrédito tem sido crescente e alto”, afirma.
O cientista político detalha que há dois fatores que causam a  descrença. O primeiro é que as pessoas têm uma expectativa ideal.  “Ninguém espera que a polícia exista para a tirar a vida das pessoas. As  pessoas esperam que a polícia exista para dar segurança.”
O outro é que as instituições não têm funcionado direito. Isso inclui  o Congresso Nacional. “A percepção da população é de que o Congresso  não está funcionando bem. No geral, a realidade confirma isso”, avalia  Moisés, defensor das reformas políticas, debatidas há anos no Brasil.
Exagero atrapalha
Moisés diz que um certo nível de desconfiança é salutar para a  democracia. Entretanto, o exagero atrapalha. Por isso, defende que haja  equilíbrio. “É mais importante desconfiar dos governantes do que das  instituições. Se você desconfiar delas, você não bate na porta da  Justiça para se utilizar dela. Se desconfiar da polícia, você nunca vai a  uma delegacia pra relatar um caso importante que exija intervenção da  força policial”, diz o professor.
O raciocínio se estende à política. “Se você desconfiar do partido,  você não milita, não vota no partido, vota em pessoas. Se desconfiar do  Congresso, você imagina que, mandando uma mensagem para o parlamentar,  ele não vai sequer abri-la para ler.”
Para Moisés, a desconfiança na política pode aprimorá-la, desde que  os partidos ofereçam alternativas de bons candidatos para a população e  que a sociedade civil insista na tese de cobrar qualidade do Congresso.  “A desconfiança acaba sendo um elemento crítico positivo para as pessoas  perceberem: ‘Basta, não dá pra ir adiante disso’. É melhor começar a  mudar, a melhorar.”

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