terça-feira, 1 de novembro de 2011

Não desejamos SUS a quase ninguém

(Helder Caldeira)
O Sistema Único de Saúde (SUS) é a maior e a pior desgraça para qualquer ser humano. Essa é a constatação finalística que se pode extrair da enorme polêmica gerada nas redes sociais no último final de semana após o anúncio de que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi tristemente vitimado pelo diagnóstico de um câncer na laringe. Como não poderia ser diferente, já que estamos falando de um ex-chefe de Estado, Lula está se tratando no melhor e mais caro hospital da América Latina, em São Paulo. É um direito que lhe é garantido pela Constituição da República Federativa do Brasil. Mas o estrondo foi gigantesco quando milhões de internautas começaram uma campanha irônica pedindo que o histórico petista realizasse seu tratamento pelo SUS.


“Homenagem à democracia”, como recentemente revelou em escárnio o senador José Sarney, as amplas regalias são prerrogativas da classe política brasileira. Não seria de outra forma com um ex-presidente da República. Nesse caso específico, há três decretos que regulamentam as benesses para aos mandatários quando deixam o Palácio do Planalto: um assinado pelo então presidente do Congresso Nacional, senador José Fragelli (1986), outro por Collor (1992) e o último por Lula (2008). Todos os três se completam e redundam nas garantias de benefícios.

Entre as “regalias democráticas” estão: 02 veículos executivos oficiais; 04 seguranças; 02 motoristas; 02 assessores; o plano de saúde mais caro do país; funeral de chefe de Estado; entre outros privilégios pagos integralmente pela Casa Civil da Presidência da República. Na letra da Lei, é garantida às viúvas (e agora aos viúvos) dos ex-presidentes uma pensão que hoje equivale a mais de R$ 26 mil mensais. Por mais absurdo que possa parecer, até Fernando Collor de Mello, que sofreu um impeachment e foi defenestrado do cargo, tem direito à pajelança bancada com dinheiro público, apesar de uma ação popular impetrada na Justiça Federal em 1993 e vencida pelo ex-presidente em 2006, lhe restituindo o usufruto das mamatas.    
É uma grande tolice imaginar que o ex-presidente Lula tenha o dever de se tratar em hospitais públicos porque deveria mostrar alguma suposta solidariedade com a maioria pobre dos brasileiros, reféns desse serviço mazelar. Mas também é ridícula a avalanche de hipocrisia fingindo não compreender a dose irônica dos internautas pedindo que Luiz Inácio Lula da Silva faça seu tratamento pelo SUS. Nem é preciso ter muita inteligência para perceber que não se trata de ódio, raiva, recalque, desrespeito ou desumanidade. Muito além de ingenuidade, classificar dessa forma o legítimo protesto dos internautas é se autoproclamar incapaz de desenvolver um raciocínio minimamente profundo sobre os temas prementes da sociedade brasileira.   
É raso e imbecil crer que, pura e simplesmente, milhões de pessoas foram às redes sociais pedir que Lula vá para o SUS porque desejam todo mal, toda dor, todo sofrimento ou até a morte do ex-presidente. Isso é matemática de néscios! Por óbvio, há uma minoria radicalíssima querendo sangue de políticos sugados pela corrupção institucionalizada. Mas tenho certeza absoluta que a grande maioria deseja que o ser humano Luiz Inácio tenha um pronto reestabelecimento, não sofra, não tenha sequelas e se cure o mais rápido possível dessa doença terrível. Mas é uma afronta à inteligência de qualquer pessoa supor que a crítica social apresentada é tão somente uma manifestação de ódio ou uma intriga de oposicionistas. Isso sim é uma imbecilidade oportunista e falsamente humanitária.   
Quando internautas vão às redes e pedem que Lula se trate pelo SUS, a mensagem que deve ficar é que há dezenas de milhões de brasileiros submetidos à precariedade de um sistema de Saúde falido e sucateado, cujos recursos são fartamente desviados, obrigados a enfrentar filas de meses e até anos para procedimentos básicos. Suas vidas estão em risco dia após dia com a falta de profissionais e equipamentos. Milhares morrem todos os dias por puro descaso com a Saúde Pública no Brasil. E isso não é primazia de um Estado ou cidade específica. O SUS é uma tragédia em qualquer lugar do país, independente de governos ou partidos políticos. A administração da Saúde em território brasileiro é caótica há mais de um século. Em última instância, os internautas estão apenas cobrando as famigeradas declarações do próprio Lula, que em 2010 fez questão de dizer que a Saúde no Brasil era muito boa e que “até queria ficar doente pra poder utilizar o SUS”.

 O carisma e a solidariedade são marcas registradas do povo brasileiro. O que não podemos é confundir a inteligência de um protesto justo (ainda que nada sutil) com ódios e preconceitos. A maior força da democracia é a liberdade de opinião e expressão. Sejamos menos hipócritas ou reféns do “politicamente correto” mesquinho e oportunista. Até porque, no fim das contas, entre lulo-petistas e não-lulo-petistas a conclusão parece ser uma só: o Sistema Único de Saúde é uma porcaria federal! Alguém discorda disso? Então, “a gente vai à luta e conhece a dor”, parafraseando obliquamente o genial Lulu Santos, “não desejamos ‘SUS’ a quase ninguém”!


 HELDER CALDEIRA Escritor, Jornalista Político, Palestrante e Conferencista

Fonte:http://www.cidadaoconsumidor.com.br//Noticia/8,6069,0,0,0,0/Nao_desejamos_SUS_a_quase_ninguem.html


Um comentário:

Gustavo Dias disse...

Concordo. Quem se manifestou ironicamente pedindo a Lula que fizesse seu tratamento pelo Sistema Único de Saúde, não desejava mal nenhum ao "presidente". Apenas queria protestar conta a precariedade da saúde pública do Brasil.