quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Voto obrigatório: Você é a favor?


Matéria do Jornalista Paulo Moreira Leite – Via e-mail
O último levantamento do DataFolha mostra que os brasileiros estão divididos em partes iguais sobre o voto obrigatório. Eu acho essa discussão importante mas seu viés se encontra distorcido. Conheço cidadãos importantes e respeitáveis que consideram que o voto deveria ser facultativo e que seu caráter obrigatório é uma demonstração de autoritarismo do Estado. Discordo. Quero argumentar que aquilo que se chama erradamente de voto obrigatório é a forma possível de garantir a participação política dos brasileiros pobres, sem condições plenas para o exercício de seus direitos, num país de democracia frágil e uma história de baixa participação política. Minha tese é que o direito do voto só pode ser exercido por uma grande parte dos 140 milhões de brasileiros porque a lei considera uma obrigação seu comparecimento às urnas. 
O Blog da Juventude Ativa quer saber: Você é a favor do voto obrigatório?
O debate tem vários aspectos e queria começar por um ponto essecial: é possivel argumentar que não há e nunca houve voto obrigatório no país. Explico. Você é obrigado a cumprir o ritual de votar. Quer dizer: no dia do pleito, precisa sair de casa, pegar o título de eleitor -- até agora bastava um documento de identidade, mas em 2010 resolveram complicar um pouquinho -- e se dirigir até o local de votação. Se chegar no horário de pico, vai entrar numa fila e, depois de alguns momentos de espera -- em pé -- entra na cabine para digitar suas escolhas. O voto é obrigatório? Não. Você pode anular seu voto. Também pode votar em branco. São formas aceitas e legítimas de não votar, recusando este instrumento clássico das democracias representativas mas que muitas pessoas consideram um estorvo, uma chatice e uma perda de tempo. O direito de não votar é tão reconhecido que as pessoas fazem propaganda aberta para que o eleitorado anule seu voto. Já anulei o voto várias vezes, quando achava que as eleições não passavam de uma "farsa." Podemos comparar a situação a um cliente vegatariano que vai passar o jantar de fim de ano com os colegas numa churrascaria argentina. Ele vai até o local, assiste aos festejos, pode até brindar -- mas não come carne. O voto nulo não implica nenhum tipo de multa ou punição. Como o voto é secreto, mesmo quando anulado, essa sua decisão não vai gerar consequencia alguma. A tolerância para os não-votos é tão descarada que eles até são contados na apuração. O principal argumento contra o chamado voto obrigatório é que seria um desrespeito a nosso direito de recusar toda participação política. O desrespeito, na verdade, envolve o direito de ficar em casa.  E é apenas quando o sujeito opta por ficar em casa -- e não aquele cidadão que se recusa a votar mas vai até a urna -- que é  obrigado a pagar multas de pequeno valor quando precisar de seu título para tirar um passaporte, por exemplo. O direito de não votar permanece e nos leva a uma constatação que até um calouro de Direito teria razão ao questionar: que dever legal é este que não acarreta nenhuma punição? O debate sobre voto obrigatório -- e facultativo -- esconde o debate sobre a participação nas decisões do Estado. Essa é a verdadeira discussão. Considerando que a pessoa pode votar em branco e pode anular, sou a favor daquilo que se chama -- erradamente  -- de voto obrigatório. É uma forma de inclusão. Hoje todo brasileiro com mais de 18 anos é obrigado a tirar seu título e cumprir o ritual de votar. Eu acho que essa situação é uma evolução positiva da história, onde o direito de participar na vida pública sempre foi seletivo, definido de cima para baixo -- e nem sempre permitia que a população escolhesse seus governantes. Eu acho que o voto é uma forma elementar de inclusão política e a lei atual permite que este direito seja exercido. Determinadas obrigações fazem parte da vida moderna, como pagar impostos -- e tentar receber serviços correspondentes --, levar os filhos para a escola e garantir a vacinação obrigatória. Todos respeitam o direito de quem não fuma e concordam que não se deve beber antes de dirigir. O voto se inclui nesse universo de deveres e direitos da vida social -- com muito mais nobreza, vamos combinar. O debate envolve as raizes sociais de nossa democracia. Antes que você comece a imaginar que essa discussão envolve o Fla-Flu eleitoral brasileiro de 2010, não se esqueça do seguinte. Em 1994 e 1998 foi o voto do povão de baixo que, maravilhado com a inflação zero, elegeu FHC duas vezes. Vivemos num país onde a cidadania tem limites e entraves que não é preciso explicar aqui. Basta admitir que existem e funcionam. Estou convencido de que, se a lei não obrigasse todo mundo a comparecer às urnas, muitas pessoas não conseguiriam chegar até lá. Isso porque o direito ao voto deixaria de ser uma conquista irreversível para se submeter a uma barganha na vida social. Deixando o plano das idéias abstratas, vamos imaginar cenas da vida real. Por que perder um de trabalho, atrasar a produção e aumentar os custos, perguntaria o gerente do fábrica? Só por causa de uma eleição? A patroa não ia liberar a empregada doméstica porque afinal de contas ela só quer votar porque quer, ninguém está obrigando -- e a casa não pode ficar abandonada. Quem vai colocar a mesa para o jantar? E é claro que o dono da oficina -- onde nenhum empregado tem registro -- não vai querer dispensar o mecânico para votar porque aí ele fica batendo papo no boteco, olha para as moças na rua, enche a cara e não volta para o serviço. Como iriam fazer os peões da construção civil, investimento que nunca está dentro dos prazos? Imagine na zona rural. Estou errado?

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